11 de out. de 2014

Dilma se estarrece com divulgação de depoimentos! E quanto ao conteúdo?

BRASIL - Opinião
Dilma se estarrece com divulgação de depoimentos!
E quanto ao conteúdo?
Decerto a presidente não deseja que o Judiciário entre em recesso branco por conta da eleição. Resta lamentar que ela, ao admitir-se desinformada, acabe repetindo, com outras palavras, o bordão do “eu não sabia.” Se há alguém que deveria saber o que se passa na Petrobras, essa pessoa é a inquilina do Planalto.

Foto: Folhapress

Postado por Toinho de Passira
Texto de Josias de Souza
Fonte: Blog do Josias de Souza

Espantosa época a nossa. Dois delatores revelam que a Petrobras tornou-se uma espécie de caverna de Ali-Babá. E a presidente da República se estarrece com a divulgação, não com o teor do que foi divulgado. É como se o inaceitável tivesse adquirido uma doce, persuasiva, admirável naturalidade.

“Sei que essas informações estão ainda sob sigilo”, disse Dilma. Erro. O que corre em segredo são os acordos de delação que resultaram em acusações contra a nata da política nacional. Os depoimentos que estarreceram a presidente foram tomados em processo aberto. No início de cada oitiva, o juiz Sérgio Moro teve o cuidado de pedir aos depoentes que se abstivessem de mencionar os nomes de autoridades e congressistas detentores de prerrogativa de foro. “Isso vai vir a público no momento adequado, segundo as decisões do Supremo Tribunal Federal”, esclareceu o magistrado.

“Eu pedi essas informações”, recordou Dilma. “Então, eu acho muito estranho e estarrecedor que no meio da campanha eleitoral façam esse tipo de divulgação.'' Novo equívoco. O que Dilma requereu à Procuradoria e ao STF foram os depoimentos prestados em segredo por Paulo Roberto Costa. Não obteve cópia porque a lei que regula as delações premiadas proíbe. O acesso foi negado também à CPI e à própria Petrobras.

Para Dilma, “é muito importante que a gente não deixe uma coisa [a investigação dos petroroubos] se misturar com a outra [a campanha eleitoral]. Que não se use isso de forma leviana em momentos eleitorais, porque nós não temos acesso a todas as informações.'' Hummmm!

Dias atrás, a Polícia Federal adiou um depoimento de Lula sobre acusações feitas por Marcos Valério para não interferir na campanha eleitoral. Decerto a presidente não deseja que o Judiciário entre em recesso branco por conta da eleição. Resta lamentar que ela, ao admitir-se desinformada, acabe repetindo, com outras palavras, o bordão do “eu não sabia.” Se há alguém que deveria saber o que se passa na Petrobras, essa pessoa é a inquilina do Planalto.

Em seu depoimento, Paulo Roberto disse que há corrupção também na Transpetro, subsidiária naval da Petrobras. Declarou ter recebido R$ 500 mil em verbas sujas das mãos do próprio presidente da companhia, o ex-senador Sérgio Machado, afilhado político de um senador notório: Renan Calheiros. Dilma foi instada a comentar.

“Nós vamos investigar todas as pessoas”, disse ela. “Porque tem uma premissa nisso tudo: em toda campanha eleitoral há denúncias, que não se comprovam e assim que acaba a eleição ninguém se responsabiliza por ela. Não se pode cometer injustiças.” Beleza. E daí?

“O que estamos fazendo é conversar com o servidor da Petrobras [Sergio Machado]. Quem está fazendo isso é ministro Edison Lobão [apadrinhado pelo companheiro José Sarney], no sentido de esclarecer o que há e o que não há. Ninguém pode em sã consciência acabar com o direito de defesa.''

Para quem diz ter “tolerância zero com a corrupção”, Dilma revela-se bastante tolerante no caso do afilhado de Renan, um senador que é autor de patrióticas nomeações. Sérgio Machado está na Transpetro desde o início do primeiro reinado de Lula. Afora a menção desonrosa do delator Paulo Roberto, tornou-se personagem de uma ação por improbidade que o Ministério Público Federal acaba de ajuizar. Machado diz ser honesto. A Constituição lhe concede o direito à dúvida. Mas Dilma já dispõe de elementos para, no mínimo, afastá-lo temporariamente até que os pratos fiquem limpos.

Os delatores informaram à Justiça que, além do PP e do PMDB, quem mais morde propinas na Petrobras é o PT. Mencionaram como operador da legenda o diretor Financeiro João Vaccari Neto. E Dilma: “Se o PT errou, enquanto pessoas do partido erraram, elas têm de ser punidas. Se alguém errou tem que pagar.'' Cômodo, muito cômodo. Mas o contribuinte agradeceria se a presidente tivesse livrado as diretorias da Petrobras das indicações partidárias, inclusive petistas.

O diabo é que Dilma parece considerar natural o que é inaceitável. No mês passado, em sabatina do IG e da Rede TV!, ela deixou claro que não cogita alterar o modelo de preenchimento dos cargos de direção nas estatais. Declarou que continuaria “mantendo o critério para escolher os melhores para o meu governo''. Afirmou que Paulo Roberto Costa era servidor de carreira da Petrobras. Lorota. Virou outra coisa no instante em que ficou devendo sua nomeação à turma do PP.

Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Paulo Roberto Costa é ex-diretor de Abastecimento e Refino da Petrobras, cargo que ocupou entre 2004 e 2012. Em depoimentos gravados feitos à polícia, cita, ao menos 25 deputados federias, 6 senadores, 3 governadores, um ministro de Estado e pelo menos três partidos políticos (PT, PMDB e PP), que teriam recebido propina de 3% do valor dos contratos da estatal

Desgraçadamente, o governo sempre tratou a ocupação política das estatais com hedionda normalidade. Recorde-se, por oportuno, uma entrevista concedida ao programa Roda Viva, em fevereiro de 2012, pelo então presidente da Petrobras, o petista José Sérgio Gabrielli. A certa altura, Cláudio Weber Abramo, da Transparência Brasil, questionou-o sobre o fenômeno da “ingerência política”.

Abramo recordou que PT controlava quatro diretorias da Petrobras, o PMDB mandava em uma e o PP desmandava em outra. Lembrou também que, na subsidiária BR Distribuidora, até Fernando Collor havia enfiado um apadrinhado em posto de direção.

Vale a pena ouvir a resposta de Gabrielli: “…Uma empresa dessa complexidade, com o tamanho da Petrobras, com o sucesso que a Petrobras tem, não pode ser gerida não profissionalmente. E o que é uma empresa gerida profissionalmente? Ela tem processos que são definidos regularmente para as decisões. Não há decisões individuais na Petrobras.”

Gabrielli prosseguiu: “Todas as decisões passam por comitês, todas as decisões passam por processos, há regras definidas, critérios definidos para as decisões, há mecanismos de avaliação e cheque de diferentes áreas para analizar cada projeto, cada projeto passa por dezenas de disciplinas…”. Cotejadas com os depoimentos prestados pelos delatores da Lava Jato, as declarações do ex-mandachuva da Petrobras soam como piada. Regras! Ora, que regras?

O senhor nega que existem diretores indicados por partidos na Petrobras?, perguntou-se a Gabrielli. “Não, não nego”, ele respondeu. “Mas não é esse o problema.” Heimmm?!? “Eles têm a obrigação de seguir os procedimentos. Existe disciplina na Petrobras!”

Gabrielli ouviu uma pergunta óbvia: se é assim, por que os políticos querem as diretorias da Petrobras? E ele: “Nós estamos numa democracia, meus senhores e minhas senhoras. Numa democracia em que os partidos são legítimos, em que os partidos representam o interesse do povo brasileiro. Ou vocês querem negar o direito dos partidos?”

Democracia partidária na Petrobras? “Vocês querem negar o direito dos partidos. A democracia exige partidos. Muito mais importante ter partidos do que não ter, do que ter uma ditadura.” Alguém lembrou a Gabrielli que ele presidia uma estatal de capital aberto, com ações na Bolsa. Outro entrevistador repetiu que havia gente indicada por Collor na companhia.

“O senhor Collor de Mello é senador eleito”, justificou-se Gabrielli. “Eu discordo da política dele, mas esse é outro problema. Ele é legitimamente eleito.” Sobreveio uma derradeira pergunta: Qual é o interesse dos partidos na Petrobras?

Gabrielli soou assim: “Os partidos participam da gestão do Estado. Isso é parte da prática democrática. Isso é parte da democracia. Os partidos são legítimos. Nós podemos discordar. Eu discordo. Você sabe que eu sou um homem de partido. Eu discordo de alguns partidos, mas é legitima a existência dos partidos. Querer que não existam partidos é autoritarismo. Pode ser um déspota esclarecido, mas é um déspota.”

Nomeado sob Lula, Gabrielli só foi substituído por Dilma em 2012, segundo ano de sua gestão. Foi substituído por Graça Foster sob elogios pelos serviços prestados. Agora responda rápido: um governo que mantém no comando da maior estatal do país um personagem com raciocínio tão precário pode reclamar do seu destino?


*Acrescentamos subtítulo, foto e legenda à publicação original

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