7 de jun. de 2014

Dueto de serpentes apaixonadas - Lucas Mendes

ESTADOS UNIDOS - Opinião
Dueto de serpentes apaixonadas
Ele chefiou a campanha que elegeu Bill Clinton em 92. Ela "subchefiava" a campanha do adversário, o presidente Bush, com a missão de demolir Bill Clinton. Uma noite saíram, gostaram e se casaram.

Foto: Norman Jean Roy/Vogue

Mary Matalin e James Carville: afeto e brigas

Postado por Toinho de Passira
Texto de Lucas Mendes
Fonte: BBC Brasil

James Carville e Mary Matalin silvam nos debates políticos. Ele odeia conservadores republicanos, ela não engole democratas liberais. Ele chefiou a campanha que elegeu Bill Clinton em 92. Ela "subchefiava" a campanha do adversário, o presidente Bush, com a missão de demolir Bill Clinton.

Uma noite saíram, gostaram e se casaram. Em 1993, na escala de tremores políticos sociais, foi um dos maiores na história moderna de Washington. Não duraria um mandato, prognosticaram os grandes sacadores da capital.

O casal acaba de lançar o livro Love & War: Twenty Years, Three Presidents, Two Daughters and One Louisiana Home.

Vinte anos depois, pelos quais passaram três presidentes, duas filhas e uma casa nova em Nova Orleans, o casal esta casadíssimo. Nunca divorciaram nem se separaram e já casaram três vezes.

Na primeira vez, grandes inimigos políticos de Washington dançaram abraçados pelas ruas do Latin Quarter de Nova Orleans puxados pelas bandas de jazz.

A segunda foi uma surpresa armada por ele para comemorar os primeiros dez anos de casamento. Mais jazz. A terceira veio quando descobriram que os dois primeiros não eram reconhecidos pela igreja. Jazz nos amigos.

Acabam de lançar Love & War. Eu ouvi o livro, que é narrado pelos dois, como um dueto. Ela conta um episódio, ele dá a versão dele, ela acrescenta e, por aí vai, roupa suja e roupa limpa lavadas em público. Tudo menos vida sexual. Uma das perguntas mais frequentes das republicanas conservadoras para Mary era como você vai com um cara desses para a cama?

Vida sexual não é da conta de ninguém, responde James.


Vinte anos depois, três presidentes, duas filhas e uma casa nova em Nova Orleans
Como diz o título, Love & War tem afetos e brigas infernais. No começo do casamento, com a vitória de Clinton, ele ficou por cima, mas a dor da derrota política foi compensada pela felicidade no amor. Tinha 40 anos e nunca tinha casado nem sentido tanta paixão. Nos anos seguintes, as carreiras dos dois cresceram, como marqueteiros, palestrantes e debatedores políticos no rádio e televisão.

Ela foi convocada para ser a nº 2 na campanha de George W. Bush contra Al Gore, em 2000. Quando o Supremo mandou parar a contagem dos votos e declarou a vitória de Bush, o casamento estremeceu. Quartos separados.

Fizeram as pazes. Mary foi convidada para trabalhar na Casa Branca como assistente do presidente e segunda no comando do vice, Dick Cheney. Depois do ataque às torres, Mary sumiu de casa para viver ao lado do vice, sem poder se comunicar com o marido e as filhas. Período sofrido, mas a separação reforçou a conexão entre os dois. Ele não reclamou, cuidou das filhas, se comportou como um gentleman.

Invasão do Iraque. Outra vez, quartos separados. Silvavam, mas não davam o bote do divórcio. James disse que sabia que ela era uma mulher diferente e que se provavelmente se apaixonou por causa das diferenças dela. Se convenceu de que não é possível e nem vale a pena tentar mudar a mulher.

Ele quase foi modificado. Estava num aeroporto quando foi abordado por um médico que disse a ele: estive observando você nos últimos 20 minutos e tenho quase certeza que você tem alguma forma de deficiência de atenção. Por que não vê um médico?

Os dois foram juntos, o diagnóstico do aeroporto foi confirmado, ADHD - deficit de atenção e hiperatividade -, a bula preenchida, mas James disse não: "Se tomar este troço, vou ser outra pessoa". "É isto que você quer?", perguntou a mulher. Pílulas foram para o lixo.

O casal ainda briga sobre política, mas a maioria das mordidas é sobre a bicharada de Mary, dinheiro e ar condicionado. Gatos e cães circulam pela casa. Às vezes, um pelo aparece na manteiga. O serpente silva.

Mary abria todas as janelas e ligava o ar-condicionado no máximo. Já aprendeu que isto esquenta a casa. Para cada compra, há uma negociação. A mesa central para o convidado colocar drinks nas festas mereceu longo e divertido parágrafo.

Ela escreve mais do que ele e revela mais detalhes domésticos, inclusive na descarga do banheiro. James morde na política e despeja veneno nos conservadores, que acreditam que a única solução é redução de impostos e menos governo.

Alguns dos melhores momentos são visitas de James Carville aos ninhos republicanos e de Mary à Casa Branca dos Clintons.

Barbara Bush se recusava a falar o nome dele, mas depois do primeiro encontro, desmanchou. E vice-versa.

Mary se sentiu como uma serpente quando foi pela primeira vez à Casa Branca de Clinton. As pessoas se afastavam. O presidente percebeu, deu acolhida íntima e várias sugestões de como o adversário dele e cliente dela, o senador Bob Dole, poderia ganhar as eleições de 96.

Depois de mais de vinte anos de Washington e de campanhas políticas, ele é professor universitário, participa de mesas políticas nas TVs e faz palestras. Mary também circula pelos estúdios, escreve, cuida das filhas e da casa.

As serpentes são felizes em Nova Orleans, longe do veneno da capital americana.

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