2 de abr. de 2014

31 de Março – Viva a democracia! - Reinaldo Azevedo

BRASIL - Opinião
31 de Março – Viva a democracia!
Nada devemos à esquerda armada além de violência, mortes, sequestros, assaltos e indenizações milionárias. O regime de liberdades é obra dos que fizeram a luta pacífica

Foto: Reprodução

Nas primeiras páginas jornais noticiavam a intervenção militar, que iria depor Jango Goulart, da presidência da República

Postado por Toinho de Passira
Texto de Reinaldo Azevedo
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo

Oficialmente, o movimento militar que derrubou João Goulart faz hoje (31.03.2014) 50 anos — o assunto, como sabem, está em todo canto. A quartelada, com amplo apoio civil, se consumou, de verdade, no dia 1º de abril, mas se quis evitar a coincidência com o chamado Dia da Mentira. Hoje, com a tal Comissão da Verdade federal em funcionamento — e algumas outras estaduais ou até corporativas (em universidades, por exemplo) —, prospera a farsa sobre aqueles tempos. A extrema esquerda armada perdeu a batalha porque era minoritária e porque não dispunha de força bélica para enfrentar os militares. Os extremistas, no entanto, venceram a guerra de propaganda, desta feita sem precisar dar um tiro: seus epígonos, isto é, seus seguidores intelectuais, ocuparam a imprensa, o meio universitário, os centros culturais, as escolas, fatias importantes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário para inventar o confronto que nunca existiu.

E qual é o confronto que nunca existiu? Aquele que oporia, de um lado, os defensores da liberdade e, de outro, os que a recusavam. Se, durante o regime militar, vivemos sob a mentira de que o golpe foi desfechado para defender a democracia, hoje, 50 anos depois, vive-se a outra face do engodo, que, no caso, é igualmente trapaceira, mas com o sinal trocado. Comecemos do óbvio: em 1964, João Goulart e os que com ele se alinharam não tinham a democracia como um valor universal e inegociável; tampouco era essa a convicção dos militares e dos organismos civis que lhes deram apoio. O regime de liberdades individuais e públicas morreu de inanição; morreu porque faltou quem estivesse disposto a alimentá-lo. Ao contrário: assistiu-se a uma espécie de corrida rumo ao golpe. Golpista, na prática — e escandalosamente incompetente —, era Jango. Golpistas eram aqueles que o depuseram. Ainda que pudesse haver bem-intencionados em ambos os lados, não foram esses a ditar o rumo dos acontecimentos.

Outras farsas influentes se combinam para fabricar um confronto entre vítimas e algozes que é não menos trapaceiro. Não é verdade, por exemplo, que os atentados terroristas e a luta armada tiveram início depois da decretação do famigerado AI-5, o Ato Institucional que implementou a ditadura de fato no país. Ao contrário até: a muita gente essa medida de força, que deu ao estado poderes absolutos, pareceu até razoável porque a extrema esquerda decidiu intensificar a rotina de ataques terroristas. O AI-5 só foi decretado no dia 13 de dezembro de 1968. A VPR, a Vanguarda Popular Revolucionária, explodiu uma bomba no Consulado Americano, no Conjunto Nacional, em São Paulo, no dia 19 de março daquele ano. Em abril, novas explosões no Estadão e na Bolsa de Valores de São Paulo. Essas são apenas algumas de uma sequência. No dia 18 de julho, o presidente Costa e Silva ainda recebeu uma comissão de estudantes para negociar. Inútil.

Foto: O Cruzeiro

Miguel Arraes recebendo voz de prisão do coronel Dutra de Castilho, do então IV Exército, no Palácio do Campo das Princesas, depois do governador ter se negado a renunciar ao cargo na noite de 1º de abril de 1964.

O que pretendiam os movimentos de extrema-esquerda? É certo que queriam derrotar o regime militar inaugurado em 1964; mas que fique claro: o seu horizonte não era a democracia. Ao contrário. Como costumo lembrar, não há um só texto produzido pelas esquerdas então que defendessem esse regime. Ao contrário: a convicção dos grupos armados era que os fundamentos da democracia eram apenas um engodo para impedir a libertação do povo. Os extremistas de esquerda também queriam uma ditadura — no caso, comunista.

Cumpre indagar e responder: o regime democrático que temos hoje é um caudatário, um devedor, dos extremistas que recorreram à guerrilha e ao terrorismo? A resposta mais clara, óbvia e evidente é “Não”! Devemos a democracia aos que organizaram a luta pacífica contra a ditadura militar. Qual foi a contribuição da Ação Libertadora Nacional, a ALN, do terrorista Carlos Marighella, à civilidade política? Nenhuma! A eles devemos sequestros e cadáveres. Qual foi a contribuição da VPR, a Vanguarda Popular Revolucionária, do terrorista Carlos Lamarca, à tolerância política? Nenhuma! A eles devemos violência e mortes. Qual foi a contribuição da terrorista VAR-Palmares, de Dilma Rousseff, à pluralidade política? Nenhuma. A eles devemos assaltos, bombas e sequestros.

Mas devemos, sim, a democracia a Paulo Brossard, a Marcos Freire, a Itamar Franco, a Franco Montoro, a Fernando Henrique Cardoso, a Mário Covas, a José Serra, a Alencar Furtado, entre outros. Devemos a democracia até a ex-servidores do regime que resolveram dissentir, como Severo Gomes e Teotônio Vilela. Outros ainda, dentro do aparelho de estado, tiveram papel relevante para trincar o bloco hegemônico que comandava o país, como Petrônio Portella, Aureliano Chaves e Marco Maciel.

Nada devemos, rigorosamente nada!, às esquerdas armadas. A coragem é, em si, um valor. Quanto ela é tão suicida como homicida, já não é coragem, mas estupidez, e costuma arrastar outros tantos em sua aventura.


*Acrescentamos subtítulo, fotos e legendas e suprimimos parte do texto original, que pode ser lido na íntegra clicando aqui

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