20 de fev. de 2014

Primavera venezuelana: mortes, inquietação popular e incertezas

VENEZUELA
Primavera venezuelana:
violência, mortes, inquietação popular e incertezas
Uma jovem estudante venezuelana, Génesis Carmona, 22 anos morreu nesta quarta-feira após ser baleada na cabeça durante uma manifestação contra o governo de Nicolás Maduro. Universitária, também era modelo e foi eleita, no ano passado, Miss Turismo de Carabobo. Ela foi alvejada quando a manifestação que participava foi atacada por motociclistas armados que dispararam contra a multidão. Carmona é a quinta vítima fatal decorrente dos protestos contra o governo venezuelano.

Foto: Redes Sociais

Génesis Carmona, 22 anos, Miss Turismo de Carabobo, no esplendor da juventude


Génesis Carmona, sendo levada ao hospital, de motocicleta, com um tiro na cabeça

Postado por Toinho de Passira
Fontes: Reuters, AFP, Veja, Estadão, Gazeta do Povo, Diario Correo

Subiu nesta quarta-feira para seis o número de mortos na onda de protestos políticos que sacode a Venezuela, num momento em que o detido líder opositor Leopoldo López, líder do partido Vontade Popular convocou seus seguidores a continuar lutando para derrubar o governo socialista.

A televisão estatal informou que uma mulher morreu depois que a ambulância que a levava ao hospital foi bloqueada por manifestantes da oposição em Caracas. Segundo a VTV, ela estava sendo socorrida após sofrer um ataque cardíaco.

Mais cedo nesta quarta-feira, Génesis Carmona, eleita, no ano passado, Miss Turismo de Carabobo, modelo e estudante de turismo de 22 anos, morreu após ser baleada na cabeça, Na véspera, havido sido alvejada por motociclistas não identificados, possivelmente integrantes das milícias chavistas, que abriram fogo contra uma manifestação pacifica, da oposição, em Valencia, ferindo nove pessoas, incluindo a jovem estudante, que chegou a ser operada, mas não resistiu.

Há quase 20 dias, milhares de venezuelanos protestam nas ruas contra preocupações que vão desde a piora da economia até a insegurança no dividido país. Além de haver centenas de feridos, quatro pessoas morreram baleadas, uma de ataque cardíaco e outra atropelada:

O motorista de um caminhão da estatal petrolífera venezuelana PDVSA atropelou e matou o adolescente José Ernesto Mendez, 17 anos durante protestos em Carúpano, estado de Sucre. Ele teria tentado parar o veículo.

Embora os protestos tenham se convertido no maior desafio de governabilidade do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, desde que assumiu o cargo em abril, não há ainda indícios de que seu governo esteja seriamente ameaçado institucionalmente.

Os militares, cruciais na história venezuelana para equilibrar a balança e pressionar pela saída de um mandatário, estão do lado do presidente.

Os países do Mercosul, incluindo o governo Dilma, tem se manifestado favorável ao presidente, e a maneira como ele vem conduzindo a crise.

Maduro, como fazia seu padrinho Hugo Cháves, garante que a oposição, com apoio dos Estados Unidos, tenta repetir o sangrento golpe de Estado que tirou brevemente do poder o então presidente Hugo Chávez em 2002. Sem reconhecer que a posição política de Leopoldo López, o opositor, é de revogar o mandato de Maduro através de referendo, permitido pela Constituição venezuelana, para 2016.

Foto: Jorge Silva/Reuters

O opositor Leopoldo López é colocado dentro de veículo da Guarda Nacional depois de se entregar à polícia em Caracas, na Venezuela

Nesta quinta feira (20), um tribunal da Venezuela confirmou a prisão preventiva do dirigente de oposição Leopoldo López, que continuará detido na penitenciária militar de Ramo Verde, nos arredores da capital Caracas. Foram aceitas as acusações de incêndio e depredação, assim como as de formação de quadrilha e incitação da violência. O líder da oposição continuará reclusão pelo menos durante 45 dias.

O advogado Juan Carlos Gutiérrez, que defende López, tinha rejeitado durante a tarde a decisão da juíza Dalenys Tovar, encarregada do caso, de realizar a audiência dentro da penitenciária militar, ao invés do Palácio de Justiça de Caracas, por considerá-la "irregular" e uma "violação da Constituição".

A juíza alegou que o procedimento visava proteger a integridade física de Leopoldo López, temendo manifestações prós e contra diante da corte onde ele seria apresentado.

López foi responsabilizado pessoalmente pelo presidente venezuelano, Nicolás Maduro, pelos distúrbios durante uma manifestação que no último dia 12 acabou com três mortes.

Economista de 42 anos, educado nos Estados Unidos, López lidera a ala mais dura da oposição. Ele se entregou na terça-feira voluntariamente às autoridades em uma manifestação diante de um mar de simpatizantes, após uma semana fugindo de uma ordem de prisão expedida contra ele.

"Nossa causa foi, continua sendo e hoje mais do que nunca tem de ser a queda deste governo", disse López junto à sua mulher em um vídeo publicado na noite de terça-feira.

A Venezuela está dividida entre aqueles que defendem os planos sociais do governo que favorecem boa parte dos 29 milhões de habitantes por meio de subsídios milionários e os que querem uma mudança e estão cansados da elevada inflação, o desabastecimento crônico e a crescente onda de violência urbana.

A criminalidade disparou na Venezuela ao longo dos 14 anos de governo Chávez. Em 2011, foram cometidos 20 000 assassinatos do país, em um índice de 67 homicídios por 100.000 habitantes. Em 2013, foram mortas na Venezuela quase 25 000 pessoas, cinco vezes mais do que em 1998, quando Hugo Chávez foi eleito.

Foto: Arquivo

O então presidente Hugo Chávez, a frente, de Nicolas Maduro, o atual presidente, venezuelano, seu herdeiro político

A HERANÇA MALDITA DE CHÁVEZ

A Venezuela é o país com a terceira maior taxa de homicídios do mundo, atrás de Honduras e El Salvador. Entre as razões para tanto está a baixa proporção de criminosos presos. De acordo com uma ONG que promove os direitos humanos na Venezuela, a Cofavic, em 96% dos casos de homicídio os responsáveis pelos crimes não são condenados.

A economia venezuelana tem um histórico de inflação alta, desde antes de Chávez chegar ao poder. Contudo, a gastança pública aliada a uma política expansionista e estatizante fez com que a alta dos preços atingisse níveis absurdos. Em 2013, o índice fechou em 56%, a mais alta taxa do continente americano e mais do que o dobro da registrada no país no ano anterior. Os números poderiam ser muito piores se não fosse o controle de preços exercido pelo governo.

No entanto, essa regulação afetou a produção e levou a escassez de alimentos básicos como leite, carne e até papel higiênico. A desvalorização de mais de 30% da moeda, que entrou em vigor em fevereiro, fez com que alguns preços duplicassem.

Em 1999, Chávez aprovou uma nova Constituição que eliminou o Senado e estendeu seu mandato para seis anos, além de conseguir uma lei que lhe permitia governar por decreto. A concentração de poderes promovida pelo caudilho, no entanto, não se restringiu ao Legislativo. O Judiciário foi tomado por juízes alinhados ao chavismo. A cúpula das Forças Armadas também demonstrou lealdade ao coronel logo depois de anunciada sua morte, quando as tropas foram colocadas nas ruas com o objetivo declarado de "manter a ordem". "Vida longa, Chávez. Vida longa, revolução", bradou o ministro da Defesa, Diego Alfredo Molero Bellavia. A oposição em várias oportunidades pediu a obediência à Constituição.

O petróleo, extraído quase inteiramente pela PDVSA, a Petrobras da Venezuela, é responsável por 50% das receitas do governo venezuelano. Além do prejuízo de uma economia não diversificada, Chávez demitiu em 2003 40% dos funcionários da companhia após uma greve geral e os substituiu por aliados. A partir daí, as metas de investimento não foram cumpridas e a produção estagnou.

O plano de investimentos da PDVSA divulgado em 2007 previa a produção de 6 milhões de barris por dia este ano, mas entrega menos da metade. A exploração de petróleo caiu de 3,2 milhões de barris diários (em 1998) para 2,4 milhões (em 2012). Cháves porém, foi beneficiado, pelo aumento do preço do produto e usou a fortuna para financiar programas assistencialistas e comprar aliados na América Latina.

Foto: Arquivo

Sem o carisma de Chávez, Maduro tenta equilibrar-se diante da revolta popular: não tão forte, ainda, que o ameace seriamente, mas suficiente para inquietar

O presidente Nicolás Maduro deu continuidade às 'misiones', como são conhecidos os programas assistencialistas. O desafio será mantê-los e ainda investir na petrolífera e aumentar a produção.

Entre o final de 2009 e início de 2010, a Venezuela sofreu uma crise no setor elétrico, agravada pela estiagem que reduziu drasticamente os níveis dos rios que alimentam as hidrelétricas. Preocupado em ajudar financeiramente os aliados latino-americanos, o governo Chávez deixou de investir em novas usinas. E as companhias do setor elétrico, sob a praga da gestão chavista, tiveram queda na produção por falta de manutenção, corrupção e aumento escandaloso do número de funcionários. A crise foi tão grave que paralisou vários setores da economia e obrigou o governo a declarar estado de emergência no país.

Para contornar a situação, Chávez propôs o "banho socialista" de três minutos, pediu para os venezuelanos usarem lanternas para ir ao banheiro no meio da madrugada e exortou as grandes empresas a gerar sua própria eletricidade. Em 2012, Chávez reconheceu que a Venezuela ainda sofria com problemas elétricos, mas disse que, se não tivesse chegado ao poder em 1999, o país se iluminaria com lanternas e cozinharia com lenha.

Boa parte dos recursos do petróleo venezuelano foi usada por Chávez para comprar aliados na região e ampliar o alcance de sua 'revolução bolivariana'. O maior beneficiário é Cuba, cuja mesada vinda dos cofres venezuelanos equivale a 22% do PIB - a ilha foi o destino do coronel ao longo de todo o tratamento contra o câncer e a oposição venezuelana denuncia a interferência dos irmãos Castro na política do país. Chávez também abasteceu o caixa de campanha de candidatos presidenciais populistas na América Latina e Central, como Cristina Kirchner, na Argentina, Evo Morales, na Bolívia, e Daniel Ortega, na Nicarágua.

Durante a era Chávez, o endividamento do governo subiu de 37% para 51% do PIB. A dívida pública externa oficial está em 107 bilhões de dólares, sem contar a dívida da PDVSA com fornecedores e sócios e os débitos do governo com empresas expropriadas. No total, a conta deve chegar a 140 bilhões de dólares, um grande desafio para o novo presidente.

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