7 de dez. de 2012

A última palavra, de Merval Pereira, para O Globo

BRASIL - Opinião
A última palavra
>”O relator Joaquim Barbosa deixou claro o sentido de seu voto a certa altura do debate que travou com o revisor Ricardo Lewandowski que, mesmo quando concorda no mérito com o relator, discorda do procedimento. Barbosa, com uma ponta de ironia, disse que “como não poderia deixar de fazer”, aplica a lei penal “tal como ela existe para qualquer cidadão”.”

Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Joaquim Barbosa reexaminando a Constituição Brasileira, com intimidade, carinho e respeito

Postado por Toinho de Passira
Texto de Merval Pereira, para O Globo
Fonte: Blog do Merval

O que está em debate nas derradeiras reuniões do julgamento do mensalão não é a prevalência da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o Legislativo, mas se os parlamentares condenados merecem ou não perder seus direitos políticos, além das penas já aplicadas. Não há como colocar em dúvida que a última palavra sobre questões constitucionais é do STF, até mesmo “o direito de errar por último”, como disse Rui Barbosa.

Há diversos casos de políticos condenados que continuam até hoje de posse de seus mandatos, pois o artigo 55 da Constituição determina que, entre outros casos, perderá o mandato o deputado ou senador “que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”.

No caso do deputado federal Asdrúbal Bentes, do PMDB do Pará, acusado de trocar laqueaduras por votos em Marabá, o acórdão demorou quase dez meses para sair no Diário da Justiça, e falta ainda o STF analisar o embargo infringente da defesa. Outro deputado, Natan Donadon, do PMDB de Roraima, condenado por peculato e formação de quadrilha, está há quase dois anos aguardando a decisão do STF sobre um embargo de declaração de sua defesa, embora esteja condenado a 13 anos de prisão, o que implica regime fechado.

Como os recursos ainda não foram esgotados, a condenação não transitou em julgado e, portanto, os deputados não perderam seu mandato. Quando se esgotarem os recursos legais, a perda de mandato será decidida pela Câmara dos Deputados “por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.

Nenhum deles, no entanto, foi punido com a perda ou suspensão dos direitos políticos. Nesse caso, diz o mesmo artigo 55 “a perda (do mandato) será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”. Quer dizer, ao perder os direitos políticos, o parlamentar perde automaticamente seu mandato, sem que seja necessário um pronunciamento do plenário.

O relator Joaquim Barbosa deixou claro o sentido de seu voto a certa altura do debate que travou com o revisor Ricardo Lewandowski que, mesmo quando concorda no mérito com o relator, discorda do procedimento. Barbosa, com uma ponta de ironia, disse que “como não poderia deixar de fazer”, aplica a lei penal “tal como ela existe para qualquer cidadão”.

Ele diz que se limita a deixar consignado no seu voto que a consequência da suspensão dos direitos políticos é a perda do mandato. “Vamos comunicar isso à Câmara, e ela faz o que bem entender. Esta é a minha proposta. Vamos deixar consignada a perda e se a Câmara decidir que vai proteger este ou aquele parlamentar, ela que arque com a consequência”.

O revisor Lewandowski também considera que os parlamentares devem ter os direitos políticos suspensos, mas diz que a perda de mandato deve ser uma decisão da própria Câmara, o que contraria o texto constitucional. A crise institucional entre o Poder Legislativo e o Supremo só aconteceria se o voto fosse pela cassação do mandato dos deputados, poder que o STF não tem.

Também a Câmara dos Deputados não tem a prerrogativa de interpretar a Constituição a seu bel prazer, principalmente depois que o Supremo deu a sua palavra. O ministro Marco Aurélio Mello chegou a declarar que “é impensável” o Legislativo não cumprir uma determinação do órgão máximo do Poder Judiciário.

Caso o PT insista na tese, legal, mas aética, de que o ex-presidente do partido José Genoino deve assumir um mandato no lugar do deputado Carlinhos Almeida, eleito prefeito de São José dos Campos, teremos uma questão delicada pela frente. Genoino, que foi condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha, tem direito a assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados por ser o primeiro suplente do PT paulista.

Pela Constituição, ele pode assumir, pois a sentença ainda não transitou em julgado, o que só ocorrerá depois da publicação do acórdão com a decisão final e a análise dos diversos embargos que sua defesa deve impetrar junto ao STF. Nem ele nem José Dirceu estão nessa discussão sobre perda de direitos políticos, mas apenas os parlamentares com mandato.

Condenados por um colegiado, eles ficarão inelegíveis, mas se o ex-presidente do PT José Genoino, mesmo condenado, decidir assumir seu mandato de deputado federal até que a sentença transite em julgado, estará criando uma situação embaraçosa mais para a Câmara do que para o Supremo.
*Acrescentamos subtítulo, foto e legenda a publicação original

Nenhum comentário: