22 de nov. de 2012

AIRES BRITTO: Jurista, poeta e filósofo, de Gustavo Krause, para o Blog do Jamildo

PERNAMBUCO – Opinião
Ayres Britto: Jurista, poeta e filósofo
Gustavo Krause fala da entrevista do Ministro Ayres Britto, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, aposentado na semana passada, concedeu a Folha de S. Paulo. Surpreende-se com a “sólida coexistência em Ayres Britto da criação poética, da elucubração filosófica e da dogmática jurídica”. Faz uma ligação das declarações do ministro ao conteúdo do livro “Poesia e Filosofia”, de Antônio Cícero, recentemente lançado.

Foto: Alan Marques/Folhapress

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, durante entrevista exclusiva à Folha em seu gabinete, no STF, em Brasília

Postado por Toinho de Passira
Texto de *Gustavo Krause, para o Blog do Jamildo
Fontes: Blog do Jamildo, Folha de S. Paulo - entrevista de Ayres Britto

A entrevista do ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Britto, (edição de 18 de novembro de 2012, Ilustríssima, Folha de São Paulo) revela faces incomuns aos homens do Direito: poeta e filósofo, além de jurista.

Antes de qualquer embargo declaratório, valho-me de medida cautelar: sempre existiram e existirão magistrados, juristas, advogados, professores, versados em filosofia do direito, capazes, também, de pensar sistematicamente sobre as questões existenciais e, nas horas vagas, exercer pendores poéticos.

Entretanto, o que me chamou atenção foi a sólida coexistência em Ayres Britto da criação poética, da elucubração filosófica e da dogmática jurídica.

Na magistral entrevista, a pauta jornalística – o julgamento do mensalão – serviu para que o ilustre entrevistado, sem fugir um milímetro das embaraçosas perguntas, não somente demonstrasse equilíbrio, sabedoria e, ao mesmo tempo, afirmasse o que apropriadamente chama de “mundividência”, temperada pela linguagem das “borboletras”, engenhosa invenção que compõe o título de um dos seus seis livros de poesia, “Varal de Borboletras”.

Decerto, a entrevista, por si só, mereceria minha especial atenção. No entanto, por coincidência, concluí a leitura do livro “Poesia e Filosofia”, recentemente lançado pela Civilização Brasileira, cujo consagrado autor Antônio Cícero é escritor, filósofo, compositor, poeta, curiosamente um poeta escondido na timidez, felizmente rompida, quando sua irmã, a cantora e compositora Marina Lima, musicou seus poemas.

Antonio Cícero começa afirmando que poesia e filosofia são atividades e ocupações inteiramente diferentes. E, neste sentido, descreve sua experiência pessoal: “Se eu quiser escrever um ensaio de filosofia basta que me aplique a desenvolver e explicar determinadas ideias. Desde que eu trabalhe e não desanime, o ensaio ficará pronto mais cedo ou mais tarde. Não é assim com a poesia. A poesia é ciumenta e não aparece a menos que eu lhe dedique todo meu espírito, todos os meus recursos, todas as minhas faculdades, sem garantia alguma de que, mesmo fazendo tudo o que ela exige, eu consiga escrever um poema (...) Em mim, quando o filósofo está presente, o poeta não aparece”.

O livro prossegue unindo profundidade e leveza conceitual. O autor concorda com o senso comum segundo o qual poeta e filósofo têm a “cabeça nas nuvens”; que o mundo contemporâneo encolheu o tempo para produzir e fruir poesia e filosofia; que os poetas “pensam o mundo” e os filósofos “pensam sobre o mundo”, mas que é possível extrair filosofia dos poemas e dá como um dos exemplos o “carpe diem” do poeta latino Horácio que Cícero lê no original versado que é em grego e latim; que, diferente da filosofia, a poesia pode se nutrir da contradição e ilustra citando Walt Whitman “Contradigo-me? Pois bem, então me contradigo (sou vasto, contenho multidões)”.

Vou parar por aqui, caso contrário, perco o fio da meada que é enxergar em Ayres Britto, o filósofo e o poeta, já que o “notório saber jurídico” do jurista é um dos pré-requisitos da nomeação para Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, emerge o filósofo quando o entrevistado se autodefine como um contemplativo e explica o conceito: “na contemplação você concilia atenção e descontração (...) eu estou acordado, como quem está atento. Mas estou descontraído como quem está dormindo”. Acrescenta o espiritualista ao contemplativo que exercita a meditação e, a partir desta força interior, explica os conflitos no Tribunal: “sem o eclipse do ego, ninguém se ilumina”.

Na conclusão da entrevista, fundem-se imagem poética e reflexão filosófica, quando Ayres Britto avalia sua passagem de nove anos no Supremo: “Em tudo que faço, já não faço questão de ser reconhecido. O que faço questão é de me reconhecer. Fui eu mesmo nessas questões. Não perdi minha essência, minha mundividência. Eu gravitei em torno de valores que dão sentido, dão grandeza, dão propósito à existência individual e coletiva. Não perdi a viagem”.

De fato, nós brasileiros é que perdemos um grande companheiro de viagem.
*Gustavo Krause é politico, poeta, filosofo e tributarista. Foi governador de Pernambuco, Prefeito do Recife, Ministro da Fazenda e do Meio Ambiente.
Pelo visto, filtradas as diferenças e alinhadas as semelhanças pode-se dizer, sem que isso seja elogio ou exagero, parte a parte, que Krause é uma versão pernambucana do sergipano Ayres Britto e vice-versa.
**Acrescentamos subtítulo, foto e legenda a publicação original

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