18 de jul. de 2012

Jersey: Mais uma obra de Paulo Maluf, por Jamil Chade

OPINIÃO
Jersey: Mais uma obra de Paulo Maluf
“O caso Maluf é real, seu dinheiro está bloqueado, o juiz Howard Page cita seu nome durante as audiências e as autoridades de Jersey estão fazendo o possível para usar o ex-prefeito como uma vitrine ao mundo de como a ilha é agora transparente e disposta a colaborar para pegar suspeitos de corrupção”.

Foto: André Henriques/Flickr

“Todos sabem que Maluf é uma especie de boi de piranha” de luxo escolhido na ilha para permitir que governos estrangeiros tenham uma nova avaliação de Jersey...”

Postado por Toinho de Passira
Texto de Jamil Chade
Fonte: Blog do Estadão

A primeira viagem que fiz a Jersey, há onze anos, foi obra de Paulo Maluf. O caso envolvendo seu dinheiro no exterior acabava de ser revelado no Brasil e, em Genebra, o então procurador-geral havia confirmado a mim que os milhões de dólares haviam saído da cidade suíça e já estavam em Jersey.

Há onze anos, não existia wifi na ilha, câmeras digitais estavam apenas em seu início e a chegada de trabalhadores poloneses – os “novos europeus” – era a grande novidade em Jersey. Enquanto o processo em torno de US$ 175 milhões de Maluf corria, muita coisa mudou. Mas uma das maiores diferenças entre 2001 e 2012 foi a atitude das autoridades da ilha de Jersey em relação ao caso.

Em 2001, lembro-me que visitei a sede do Citibank de Jersey, um dos bancos envolvidos no caso. Fui recebido com um “no comments”. Eles não seriam os únicos. No que seria o equivalente ao Ministério da Justiça, fui recebido com uma frieza exemplar. Mais uma vez, a resposta foi: “no comments”. Lembro-me que, há onze anos e há quase oito quilos, aluguei uma bicicleta para ir de uma entrevista a outra, algo hoje bem mais complicado para esse reporter.

Como eu disse, muita coisa mudou desde então. Mais uma vez volto à ilha e mais uma vez por conta de Maluf. Curiosamente, poucos tem me dito: “no comments”.

Na realidade, o que ocorreu é que paraísos fiscais em todo o mundo passaram a ser fortemente atacados e a pressão foi redobrada depois que Obama assumiu a presidência americana.

O G-20 passou a insistir que “buracos negros” deixassem de existir no sistema financeiro internacional, elaboraram uma lista negra e países se apressaram em mostrar que não eram cofres para dinheiro de bandidos, políticos corruptos ou simples terroristas.

Era o “alvo fácil”. O G-20 não conseguiu reformar nada do que havia prometido. Mas atacar a existência dos paraíses fiscais dava ibope, garantia a entrada de um dinheiro “fácil” e ainda governos saiam com a aura de “faxineiros” na luta contra a corrupção.

Desta vez, em Jersey, estou sendo recebido com toda a atenção possível. A última audiência em mais de uma década de processo relacionado às contas de Maluf é aberta e até café é oferecido aos jornalistas.

Mas nada ocorre por acaso. O caso Maluf é real, seu dinheiro está bloqueado, o juiz Howard Page cita seu nome durante as audiências e as autoridades de Jersey estão fazendo o possível para usar o ex-prefeito como uma vitrine ao mundo de como a ilha é agora transparente e disposta a colaborar para pegar suspeitos de corrupção. Todos sabem que Maluf é uma especie de boi de piranha” de luxo escolhido na ilha para permitir que governos estrangeiros tenham uma nova avaliação de Jersey, enquanto os demais casos são ignorados.

O caso foi usado até mesmo no Senado americano para impedir que Jersey fosse colocada na lista negra de paraísos fiscais que não colaboraram com a Justiça. Claro, um boi de piranha julgado e acusado de uma longa lista de crimes financeiros.

Mas, para Jersey, Funcionou. Mais uma obra de Paulo Maluf, pelo menos para dar uma imagem de colaboração da ilha, enquanto milhares de contas continuam em total sigilo. Um taxista comentou que, há poucos dias, levou um homem a um banco e viu que ele tinha uma mala ligada a um cadeado a seu braço. O passageiro pelo para o taxista esperar. Uma hora depois, voltaria. Mas a mala continuaria amarrada a ele. O taxista não se conteve e perguntou: “não te soltaram!”. O passageiro respondeu: “eu não tenho as chaves. Só a pessoa que me enviou aqui tem a chave”.

Jersey não é mesmo um lugar comum. A ilha tem 90 mil habitantes e 36 mil empresas e fundações registradas, todas elas e busca do sigilo bancário e do fato de que não pagam impostos. São 46 bancos internacionais registrados, entre eles um da Índia e outro do Canadá, e mais de 200 trusts que gerenciam mais de US$ 500 bilhões em fortunas de todo o mundo num local conhecido por ser um dos destinos da juventude britanica em busca de muita cerveja. Hoje, o setor financeiro representa 60% da renda da ilha.

Nem mesmo os mitos sobre a ilha são comuns. Consta que, no século XVII, infestada por piratas, a ilh era usada pelos corsários para depositar o que haviam roubado de diferentes navios pelos mares. Um animal que seria uma mistura de cachorro com lobo gigante (talvez uma espécie de chupacabra britânico) percorria durante as noites o litoral da ilha, impedindo que o tesouro fosse recuperado. Um mito revelador…


*Acrescentamos subtítulo, foto e legenda a publicação original

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