3 de mai. de 2012

Rasgador de contrato - Miriam Leitão

OPINIÃO
Rasgador de contrato
”Cada país é soberano para dizer o que acontece em seu solo, obviamente, mas paga-se um preço alto por quebra de contratos, atos espalhafatosos, ocupação de empresas com tropas, expulsão de executivos de suas salas e outras arbitrariedades.”

Foto: Getty Images

Militares bolivianos ocupam a sede da companhia eletrica espanhola, TDE, depois que o presidente da Bolívia, Evo Morales emitiu um decreto para a sua nationalização e ordenou a ocupção militar, 2 de maio de 2012.

Míriam Leitão e Alvaro Gribel
Fonte: Miriam Leitão - Coluna no “O GLOBO”

A Petrobras havia comprado duas refinarias da Bolívia, por US$ 102 milhões, no programa de privatização. E comprou por insistência do então governo boliviano, que não tinha como modernizá-las. No dia primeiro de maio de 2006, elas foram ocupadas com tropas do exército boliviano e expropriadas. Mas, no final, a Petrobras recebeu US$ 112 milhões e ainda tem um valor para receber de dividendos. A Bolívia poderia ter feito tudo diferente.

Os governos da Bolívia, Equador e Venezuela pagam pelas suas estatizações, que anunciam como nacionalizações justas, em meio a comícios e brados populistas. Em alguns casos, a empresa que é atacada não consegue receber o que acha justo porque tudo é feito como na Argentina com a YPF: é um tribunal local que vai arbitrar o preço. A YPF quer arbitragem neutra e internacional. Os dois lados ainda brigam.

Cada país é soberano para dizer o que acontece em seu solo, obviamente, mas paga-se um preço alto por quebra de contratos, atos espalhafatosos, ocupação de empresas com tropas, expulsão de executivos de suas salas e outras arbitrariedades.

Na Venezuela, as empresas foram forçadas a vender seus ativos para a PDVSA. A Exxon Mobil, segundo avaliação feita por Adriano Pires, do CBIE, acabou recebendo 10% do que pedia:

- A opção é sempre aceitar ou nunca ver a cor do dinheiro, tendo que brigar em tribunais internacionais.


Evo Morales, o “rasgador de contratos” boliviano, anunciando a nacionalização da companhia espanhola de eletricidade a TDE
Na Bolívia, o governo reestatizou campos de gás que tinham a participação da Petrobras e as duas refinarias. Mas a empresa brasileira diz que não se sente lesada, já que recebeu de volta o preço que pagou. A Petrobras investiu e recuperou as refinarias, mas também teve lucro durante o período em que a operou.

A empresa brasileira é estatal e acaba aceitando o preço que o governo quer que ela aceite para não ter briga com vizinhos. Mas, de qualquer maneira, ela recebeu pelas refinarias.

No Equador, a Petrobras também recebeu US$ 217 milhões por uma concessão que foi cancelada. Na Província de Neuquén, na Argentina, a estatal brasileira enfrentou o mesmo problema: o cancelamento de uma concessão, e de forma intempestiva. A empresa está negociando, mas, como Neuquén tem autonomia, não depende tudo do governo federal.

A presidente da Petrobras, Graça Foster, está sendo dura. Falou em audiência na Câmara que o Brasil não rompe contrato e não vai aumentar investimento na Argentina. A Vale também anunciou a mesma coisa. O JBS fechou ou vendeu quatro das cinco unidades que tinha no país vizinho.

O caminho escolhido pela Bolívia, Argentina, Venezuela e Equador leva apenas ao descrédito, à redução do investimento de empresários nacionais e estrangeiros. Depois que se cria o ambiente de insegurança jurídica fica difícil recuperar a reputação de bom lugar para investimento.

A própria atitude de quem vai para um país assim é a de retirar o máximo de lucro no menor tempo possível, porque um fato como o deste primeiro de maio na Bolívia - que expropriou a empresa de transmissão de energia - pode acontecer de repente.

O Brasil deve evitar ser visto como parte de um movimento latino de recuperação dos ativos na lei ou na marra. Não há risco de atitudes assim por parte do governo brasileiro, mas o ideal é não demonstrar, por atos e palavras, apoio às decisões dos governos que estão expropriando bens privatizados.

O Brasil tem atraído investimento, e de longo prazo, de várias partes do mundo, até porque não há qualquer inclinação no governo de fazer uma insensatez dessas. Em má hora os vizinhos começam a tomar decisões tresloucadas. Nos últimos anos, a América Latina cresceu a um ritmo forte, por isso o melhor a fazer era aproveitar a onda.

O governo, em qualquer país, mesmo quando vende seus ativos em programas de privatização continua com muito poder. Ele nunca poderá abrir mão, por exemplo, do poder regulatório. Como muitas dessas empresas são concessionárias de serviço público - como no caso da empresa de transmissão de energia da Bolívia - bastava aprovar normas que a obrigassem a investir, se esse fosse o problema.

Nos primeiros dias logo após a ocupação das refinarias da Bolívia, o presidente Evo Morales fez as mais duras críticas à Petrobras. Hoje, já se sabe o fim da história: o governo boliviano indenizou a estatal brasileira. Na Venezuela, Hugo Chávez sempre fez espetáculos públicos nas expropriações das empresas e depois negociou o pagamento. Mas o que ficou foi a fama de governante que rasga contratos.

Como investidor, o Brasil precisa também se proteger, e às suas empresas, para reduzir o risco de eventos como os que têm envolvido a Petrobras e outras companhias brasileiras. Dias depois da expropriação da YPF, o governo argentino veio pedir ao Brasil mais investimento, e o ministro Edson Lobão deu demonstração de que aceitaria.

É um erro achar que se os vizinhos enxotarem empresas com maus modos nós poderemos ocupar o lugar delas com as nossas companhias. Quem rasga contrato uma vez rasga novamente. O Brasil precisa ser tão cauteloso quanto qualquer outro investidor nesse momento em relação aos rasgadores em série de contratos na América do Sul.


O presidente boliviano, Evo Morales invadindo uma das duas refinarias da Petrobras nacionalizadas por decreto presidencial, acompanhado de tropas do exército, maio de 2006


*Acrescentamos subtítulo, fotos e legendas ao texto original

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