12 de jan. de 2012

Oriente Médio: Era complexo. Ficou mais

OPINIÃO
Oriente Médio: Era complexo. Ficou mais
O Hamas, grupo terrorista palestino que governa a Faixa de Gaza, afasta-se do Irã e da Síria e busca novos padrinhos no Egito e na Turquia. Atônito, o Ocidente só observa e tenta entender

Foto: Adem Altan/AFP/Getty Images

O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, junto ao primeiro ministro turco, Tayyip Erdogan, é aclamado no parlmento em Ancara, em 03 janeiro de 2012.

Postado por Toinho de Passira
Fonte: Veja - 10/01/2012

A Turquia ainda é um enclave de democracia no mundo muçulmano. Oficialmente o país separa a religião do estado, negocia a adesão à União Europeia e é parceiro dos Estados Unidos na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar ocidental. Com essas credenciais, é de dar calafrios em qualquer democrata a cena, na semana passada, de membros do Parlamento turco recebendo de pé e com vigorosos aplausos Ismail Haniyeh, primeiro-ministro do Hamas, o grupo terrorista palestino que desde 2007 controla a Faixa de Gaza.

O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, que nos últimos meses vem tentando aumentar sua influência entre os árabes, saudou Haniyeh com entusiasmo. O dirigente do Hamas, por sua vez, animou-se a deixar Gaza pela primeira vez em cinco anos para tentar quebrar o isolamento em que se viu depois de perder a proteção de dois padrinhos históricos, o Irã e a Síria. Haniyeh e outro dirigente do grupo palestino, Kalid Meshal, visitaram o Egito e o Sudão, e têm viagens marcadas também para Catar, Tunísia e Barein.

No fim do ano passado, o Hamas começou a esvaziar seu escritório na capital da Síria, Damasco, onde Kalid Meshal esteve refugiado nos últimos dez anos. O grupo estuda transferir sua sede no exílio da capital síria para o Catar ou para o Egito. Se isso de fato ocorrer, será o fim de uma parceria que visava à destruição de Israel.

Caro leitor, não desista. A realidade no Oriente Médio sempre foi mutante como as dunas do deserto. Ficou ainda mais depois da onda de protestos populares que tomou as praças de capitais que diferentes ditaduras mantinham politicamente assépticas havia décadas com ajuda militar e financiamento do Ocidente. Agora, o teatro geopolítico está sendo remontado no Oriente Médio, tendo o Ocidente reduzido ao papel de observador atônito dos acontecimentos que se desenrolam sem sua participação ou influência direta.

Os últimos atos que afastaram o Hamas da Síria e do aliado Irã foram protagonizados nas ruas. E, como é costume na região, foram sangrentos. As relações se enfraqueceram depois que o Hamas negou apoio à dura repressão que o ditador sírio Bashar Assad exerce sobre os insurgentes em seu país – segundo a ONU, desde março do ano passado as forças sírias mataram mais de 5000 pessoas. A queda do ditador Hosni Mubarak, no Egito, em fevereiro, e o rompimento da Turquia com Israel, em setembro do ano passado, abriam ao Hamas a oportunidade de mudar de padrinhos. Em boa hora. O Hamas e o governo sírio têm diferenças religiosas profundas, que só eram toleradas pelo interesse mútuo de enfraquecer Israel. O governo sírio é dominado pela minoria alauita, que massacrou principalmente muçulmanos sunitas, a mesma corrente religiosa do Hamas.

O afastamento do Hamas de seu aliado sírio consequentemente o distanciou de seu principal financiador, o governo iraniano. Desde a Revolução Islâmica, em 1979, a Síria é um dos grandes parceiros políticos e comerciais do Irã. Foi por meio dessa ligação que Teerã conquistou influência no Líbano, com o Hezbollah, e nos territórios palestinos, com o Hamas.

No ano passado, o Irã suspendeu o financiamento do Hamas quando o grupo se negou a apoiar publicamente o encurralado regime de Assad. Ocorre que o Irã também está cada vez mais isolado. O país não conseguiu tirar proveito das revoluções que varreram o norte da África no ano passado. Resta-lhe a crescente influência sobre os xiitas do Iraque. O programa nuclear, que nenhuma nação séria crê ser para fins pacíficos, rendeu ao Irã sanções atrás de sanções, que começam a fazer efeito. Numa tentativa de blefe, o país chegou a ameaçar fechar o Estreito de Ormuz, por onde é transportada grande parte do petróleo mundial. Na semana passada, a União Europeia anunciou que deve suspender em breve as importações de combustíveis fósseis do Irã. O impacto na Europa será mínimo, pois menos de 5% do seu petróleo vem do país. Já os aiatolás têm mais motivos para se preocupar. Depois da China, a Europa é o segundo maior importador de petróleo iraniano.

Se o Hamas tirar mesmo seu escritório de Damasco, o grupo terá de romper com o Irã e arcar com as consequências financeiras da mudança. "Isso estancará sua maior fonte de financiamento, e será difícil encontrar outro país no Oriente Médio interessado em bancar terroristas palestinos, como faziam o Irã e a Síria", diz a historiadora inglesa Julia Pettengill, pesquisadora do Henry Jackson Society, centro de estudos geopolíticos com base em Londres.

Foto: Mohamed Abd El Ghany/Reuters

O lider do Hamas, Ismail Haniyeh (a esquerda) sendo afetuosamente recebido no Cairo, pelo líder Irmandade Muçulmana egípcia Mohammed Badie, 26 de dezembro de 2011.

No Egito, o partido da Irmandade Muçulmana, um grupo fundamentalista, firmou-se em pleito realizado na semana passada, como a maior força política na nova Assembleia do Povo, uma das duas câmaras legislativas do país, com mais de um terço dos votos. O Hamas nada mais é do que uma filial palestina da Irmandade Muçulmana. Aproximar-se de seus pares egípcios significa estar do lado dos futuros governantes da nação com a maior população árabe do mundo. Por enquanto, a Irmandade esconde seus planos para Israel, mas alguns de seus membros já deixaram transparecer o desejo de anular o acordo de paz com o país vizinho, assinado em 1979 – o que, evidentemente, seria uma vitória para o Hamas.

Quanto à Turquia, que recebeu Ismail Haniyeh de braços abertos, trata-se de uma nação governada por um partido islâmico que diz não querer romper com a tradição democrática nacional, mas não esconde a afinidade com grupos fundamentalistas da região, inclusive o Hamas. No ano passado, o primeiro-ministro Erdogan rompeu com Israel como punição pelos nove turcos mortos na abordagem militar israelense ao navio Mavi Marmara, que rumava à Faixa de Gaza como provocação ao bloqueio imposto ao território palestino. Desde as revoluções que derrubaram os governos do Egito, da Tunísia e da Líbia em 2011, Erdogan tenta aumentar sua influência no mundo árabe. Ter o Hamas como aliado ajuda nesse objetivo. Enquanto isso, o Ocidente só observa e tenta entender o enredo do teatro geopolítico no novo Oriente Médio.


*”Era complexo. Ficou mais” é o título original do texto
**Acrescentamos subtítulo, fotos e legendas ao texto original

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