20 de jan. de 2011

OPINIÃO: Vem aí o complexo militar industrial chinês - Caio Blinder

OPINIÃO
Vem aí o complexo militar industrial chinês
“No cimentado sistema político chinês, o poder militar é subordinado ao poder civil”. “Mas, nos últimos tempos na China, temos um poder militar atuando com mais desenvoltura em relação ao comando civil, deixando claro seu propósito de ampliar sua influência no sistema de poder”. 

Foto: Feng Li/Getty Images

O poder na ponta do míssil

Caio Blinder
Fontes: Veja

Há 50 anos, em janeiro de 1961, Dwight Eisenhower encerrou seus oito anos de presidência americana com um dos discursos mais famosos de despedida do poder, marcado pela advertência sobre o crescimento de um “complexo militar industrial” e os perigos que ele trazia. A importância do discurso cresceu ao longo das décadas, tornou-se lendário e se converteu em motivo de adoração para antiamericanos denunciarem a podridão do esquema. Afinal, até o presidente que partia apontava os malefícios de um sistema supostamente a serviço do Pentágono e dos fabricantes de armas (os mercadores da morte)

Esclarecimentos: Eisenhower, o general que comandou as tropas aliadas na Europa na Segunda Guerra Mundial, não traiu o sistema e sabia do que estava falando. Obviamente, Eisenhower não era um pacifista ou manso com os inimigos do seu país (fez o discurso no auge da Guerra Fria). Seu recado era contra extravagantes gastos militares e o perigo de que um complexo militar industrial transformasse os EUA em um estado policial, tolhendo as liberdades civis.

Há extravagâncias estúpidas nos gastos militares, um lobby obsceno da indústria bélica no Congresso e alguns excessos contra as liberdades civis. No entanto, é um salto de imaginação descrever os EUA como um estado de guerra, em que conflitos, como o do Iraque, são deflagrados por uma conspiração dos fabricantes de armas. Também é inconcebível o cenário de uma tomada militar do poder, como em Sete Dias de Maio, o filme de John Frankenheimer.

Bem, mas não eu quero me estender nos excessos reais do império americano e aqueles no imaginário dos antiamericanos. A idéia é especular um pouco sobre o complexo militar industrial do emergente império chinês. É curioso até pensar na sua existência no país sob o tacão do Partido Comunista (80 milhões de afiliados), em que Hu Jintao é presidente, secretário-geral deste partidão e tambem chefe da comissão militar central.

Hu Jintao é um burocrata cinzento, o antônimo do carisma e representante de um coletivo decisório. Não tem experiência militar ou revolucionária. Por formação, é engenheiro hidroelétrico. A rigor, melhor isto do que o esfuziante, narcisista e sádico Mao Tsé-tung. Hu Jintao representa a consolidação da revolução, após décadas de turbulências, experimentos devastadores e erros colossais. Ainda ditadura, mas menos sangrenta e menos tumultuada.

No cimentado sistema político chinês, o poder militar é subordinado ao poder civil. Mao, o maldito pai fundador, disse que o poder estava na ponta do fuzil, mas o final da frase é: “O partido comanda a arma; a arma nunca deve comandar o partido”.

Mas, nos últimos tempos na China, temos um poder militar atuando com mais desenvoltura em relação ao comando civil e expressando mais agressividade na arena internacional, motivado por nacionalismo, e deixando claro seu propósito de ampliar sua influência no sistema de poder. Outros atores também atuam com mais desenvoltura, como os exportadores, que exercem pressão para que a moeda continue manipulada para favorecer seus negócios. O poder na China que cresce é mais difuso, mais dificil de ser interpretado.

Basta ver a confusão dias atrás durante visita do secretário de Defesa americano Robert Gates a Pequim. Havia uma certa perplexidade sobre o próprio Hu Jintao, no pico de uma estrutura partidária centralizada, mas que às vezes parece no escuro sobre aqueles que comanda, a destacar O Exército Popular de Libertação (a propósito, hoje em dia, libertação de quem?). De acordo com relatos, durante encontro com Gates, Hu Jintao parecia não saber que seus militares tinham acabado de fazer um teste com um protótipo de avião invisível a radar. “E verdade?”, ele teria perguntado ao seu ministro da defesa Liang Guanglie.

É possível especular que os militares chineses atuem como “falcões”, tentando abortar vôos de um modus-vivendi entre a China, superpotência emergente, e a madura superpotência americana. Este empenho marca a visita oficial em curso de Hu Jintao aos EUA. Também interessa a estes militares, agressividade do outro lado, o que justifica investimentos industriais e armas mais sofisticadas no aparato militar do país (inevitável e compreensível, de qualquer forma, diante de sua ascensão global). A economia americana é três vezes maior do que a chinesa, mas seu complexo militar gasta oito vezes mais por ano e seu armamento é muito mais, mas muito mais, sofisticado. Até quando?

A liderança civil chinesa deve controlar este impulso dos militares. Nada de descartá-lo, é claro. Nacionalismo é uma cola que unirá cada vez mais os chineses. Com a falência da ideologia comunista. militares são arautos impecáveis de nacionalismo e de patriotismo, ampliando seus tentáculos navais no mar do Sul da China, construindo mísseis mais incrementados e exibindo seu avião invisível. Os chineses se distanciam do famoso conselho de Deng Xiaoping, o patrono das reformas econômicas, para “esconder nossas capacidades, ganhar tempo e não reinvindicar liderança”.

Portanto, não espere advertências de Hu Jintao contra o complexo militar industrial no seu discurso de despedida no ano que vem, quando passar o poder para o camarada Xi Jinping.


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